Lúcia tinha uma xícara favorita. Não era bonita, nem nova. Mas ela gostava dela. Tinha sido presente de alguém importante, numa época em que se sentia vista.
Aos poucos, a xícara começou a trincar. Primeiro uma rachadura sutil na lateral. Depois, outra na base. Um dia, enquanto colocava o café quente, a rachadura deixou escapar uma gota, que molhou a toalha da mesa.
Lúcia suspirou e pensou: “Ah, ainda dá pra usar.”
No dia seguinte, mais uma gota.
Depois outra.
Logo o café começou a escorrer por entre os dedos dela. Queimava um pouco. Sujava o caminho até a mesa. Às vezes ela limpava rápido, às vezes deixava secar.
As visitas ofereciam outras xícaras. Mas ela recusava. “Essa é a minha favorita.”
No fundo, ela nem sentia mais o gosto do café — estava sempre ocupada demais cuidando da bagunça que a xícara trincada deixava.
Um dia, ao preparar o café, Lúcia olhou para a xícara.
Era como se a trinca tivesse crescido junto com o silêncio dentro dela.
Ela se perguntou:
Por que insisto em usar algo que me machuca todos os dias?
E a resposta veio em silêncio.
Porque tolerava.
Porque achava que era só aquilo que tinha.
Porque tinha medo de se desfazer do passado.
Porque confundia lembrança com apego.
Porque ainda não tinha consciência de que merecia saborear o café inteiro, quente, gostoso — sem escorrer pelas mãos.
Naquele dia, Lúcia pegou uma xícara nova.
Não era especial ainda. Mas era inteira.
E pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu o gosto do café — e de si mesma.
Reflexão:
Você tem alguma “xícara trincada” na sua vida?
Talvez um relacionamento que escorre pelo ralo do respeito?
Um trabalho que exige demais e nutre de menos?
Uma amizade que fere mais do que fortalece?
O que você tem tolerado em silêncio, achando que é amor, mas que na verdade é medo?
Tolerar não é amar.
Tolerar é sobreviver sem consciência.
E você merece viver acordado, inteiro, com o coração cheio de presença — não de trincas.
_Desire Lahe_
Comentários
Postar um comentário