Na vila de Santa Aurora, todos conheciam Dona Clara. Era uma mulher doce, de fala calma, olhos tristes e mãos sempre ocupadas com flores ou bordados. O que poucos sabiam era que ela carregava em silêncio uma dor antiga: nunca pôde ter filhos.
Na casa ao lado, viviam três crianças. Pequenas, frágeis, quase selvagens de tanto descuido. O pai, um homem duro e ausente, deixava-as largadas, e os vizinhos murmuravam, indignados.
Dona Clara observava da janela, o coração apertado. Cada risada descalça, cada choro noturno, cada queda no quintal tocava fundo em seu ventre vazio.
Certa manhã, ela tomou uma decisão. Vestiu sua melhor roupa, prendeu os cabelos e foi até o Conselho Tutelar. Contou tudo. E ao final, com a voz embargada, disse:
— Eu poderia cuidar delas. Eu daria a elas tudo o que nunca pude dar a um filho.
A vila dividiu-se. Uns a chamavam de heroína. Outros, de interesseira. O pai, revoltado, jurava que ela queria roubar suas filhas. E Dona Clara? Sentia-se justa, quase iluminada por dentro.
Mas numa madrugada silenciosa, enquanto regava suas orquídeas, escutou uma voz vinda do mais profundo de si mesma:
— Isso que você chama de amor… é cura ou é falta?
A água parou. As mãos tremeram. Pela primeira vez, Clara não tinha certeza.
[REFLEXÃO]
Nem toda “boa ação” nasce da luz.
Às vezes nasce de um vazio.
Às vezes, da vontade de preencher uma dor antiga com algo novo.
Às vezes, da carência disfarçada de compaixão.
O coração é o campo onde tudo é semeado.
Mas nem toda semente é madura. Algumas ainda brotam do desejo de controlar, de reparar, de possuir — mesmo quando parecem doces por fora.
PERGUNTAS PARA Reflexão
- O que você chama de amor hoje pode estar escondendo uma falta?
- Suas ações vêm da abundância ou da carência?
- Você ajuda porque transborda… ou porque sente que precisa ser necessário para alguém?
- Já tentou fazer o bem e, depois, se sentiu exausto, frustrado ou rejeitado?
- Qual parte sua está buscando reconhecimento, mesmo que inconscientemente?
Desire lahe
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