Papel por papel, palavra por palavra.
Vestiu a filha exemplar.
Depois, a esposa resiliente.
A mãe incansável.
A mulher que sabia tudo antes de doer.
A que não precisava de ajuda.
A que resolvia, servia, explicava.
Suas roupas pareciam feitas de funções.
E ela se confundiu com os tecidos.
Mas um dia, cansada,
sentou no chão do quarto e começou a tirar cada uma dessas vestes.
Não por raiva, nem por protesto.
Por exaustão.
Primeiro caiu o manto da que “tem tudo sob controle”.
Depois, o avental da que “sabe o que é melhor para todos”.
O colar da “inteligente”, os brincos da “boazinha”, o salto da “forte”.
E por fim, ficou nua — de alma.
Não sabia o que dizer.
Não tinha mais frases prontas.
Apenas olhava.
Foi quando ele entrou no quarto.
Viu aquela mulher sem máscaras, sem escudos.
Ela achou que ele ia virar o rosto, ou perguntar o que estava “errado”.
Mas não.
Ele só disse, com a calma de quem enxerga o mar depois da neblina:
“Você não é isso tudo que estava vestindo…
e ainda assim, eu te amo.”
Ela chorou.
Mas não foi tristeza.
Foi libertação.
Naquele instante, ela percebeu que o amor real não ama um papel — ama a presença.
Ama o que sobra quando todos os nomes caem.
Ama o que é antes de tudo ser.
Desiré Lahé
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