Numa casa no fim de uma rua qualquer, viviam dois seres que nunca se entendiam: o Gato e o Homem. O Gato era livre. Pulava telhados, gemia alto, provocava a noite com sua fome e seu cio. Amava o vento, a confusão, o instinto. Ninguém o segurava. Quando queria leite, miava; quando queria amor, arranhava. O Homem, por outro lado, vivia cansado. Vivia tentando manter a casa em ordem, o corpo em ordem, a mente em ordem. Mas não conseguia dormir. O Gato fazia barulho demais. Era sexo demais. Vontade demais. Vida demais. Todas as noites, o Homem jogava objetos contra o teto, tentava calar os gritos felinos. Não aguentava mais aquela criatura incontrolável. E o Gato, em troca, afiava as garras. Jurava que ia derrubar aquele Homem do trono. “Ele me reprime. Ele quer me domar. Ele quer silenciar minha natureza”, pensava. O conflito crescia. Até que um dia, uma telha caiu. Bem no centro da cabeça do Homem. Silêncio. Paz. O Gato andou pela casa como um rei vitorioso. Afinal, o dono havia morrido....